Segundo dados da Receita Federal do Brasil as compensações tributárias federais, em 2020, atingiram o valor de R$ 168 bilhões, maior nível da série histórica. Ao todo, foram compensados R$ 62 bilhões a mais que o registrado no ano anterior. Com toda certeza do referido dado é influenciado pela reconhecida “Tese do Século” (exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins). Contudo, os contribuintes se deparam com movimentos do próprio ente administrativo federal no intuito de reduzir a possibilidade do creditamento por meio das compensações administrativas.
No Brasil, como é de conhecimento, o contribuinte que avalia uma oportunidade tributária judicial (tese) deve, inequivocamente, se socorrer do Judiciário, o qual irá se manifestar após longo período de forma favorável ou desfavorável à tese.
As discussões tributárias são mais do que uma realidade e vários são os fatores, tais como (I) complexidade do sistema; (II) afronta aos princípios constitucionais; (III) lacunas que dependem de posicionamento jurisprudencial; entre outro. Tais situações contribuem para morosidade no deslinde dos casos, os quais tem uma média de 18 anos e 11 meses (contencioso administrativo e judicial, conforme dados do Conselho Nacional de Justiça).
Sob esse cenário, enseja o maior inconformismo dos contribuintes, situação que novamente foi levada ao judiciário. Isso porque, a Receita Federal do Brasil ao disciplinar as compensações administrativas federais de créditos oriundo de decisão judicial apontou um prazo preclusivo de cinco anos para apresentação da referida declaração.Em seus exatos termos, o artigo 106, da Instrução Normativa nº2.055/2021:
Art. 106. A declaração de compensação prevista no art. 102 poderá ser apresentada no prazo de até 5 (cinco) anos, contado da data do trânsito em julgado da decisão ou da homologação da desistência da execução do título judicial.
Parágrafo único. O prazo a que se refere o caput fica suspenso no período compreendido entre a data de protocolização do pedido de habilitação do crédito decorrente de ação judicial e a data da ciência do seu deferimento, observado o disposto no art. 5º do Decreto nº 20.910, de 1932. (g.n)
O entendimento é análogo ao indicado anteriormente à Solução de Consulta Cosit nº 239/2019, a qual já fazia menção a revogada Instrução Normativa nº 1.717/2017, a saber:
13. Pelo exposto, em resposta ao primeiro questionamento da consulente, acerca da possibilidade de continuar as compensações até o esgotamento integral na hipótese de não ocorrer o exaurimento do crédito oriundo de decisão judicial transitada em julgado no prazo previsto na legislação, tem-se que não há base legal para que se proceda à compensação além do prazo de cinco anos de que trata o art. 103 da IN RFB nº 1717, de 2017. A habilitação do crédito em seu montante integral não garante a entrega de Dcomp além do prazo de cinco anos estabelecido no citado art. 103. Art. 103. A declaração de compensação de que trata o art. 100 poderá ser apresentada no prazo de 5 (cinco) anos, contado da data do trânsito em julgado da decisão ou da homologação da desistência da execução do título judicial. Parágrafo único. O prazo de que trata o caput fica suspenso no período compreendido entre o protocolo do pedido de habilitação do crédito decorrente de ação judicial e a ciência do seu deferimento, observado o disposto no art. 5º do Decreto nº 20.910, de 1932. 13.1. Assim, findo esse prazo, ainda que tenha crédito habilitado perante a RFB, não é mais possível o sujeito passivo apresentar Dcomp e não há amparo nos arts. 68 ou 69 para a restituição de eventual saldo que não foi objeto de pedido de restituição, pois este não cabe na hipótese de crédito decorrente de decisão judicial transitada em julgado. (g.n.)
Ilegal e inóspito o cenário exigido aos contribuintes, os quais, por exemplo, podem ter mais de 20 (vinte) anos de crédito oriundo de uma discussão judicial tributária federal e são obrigados a ter débitos suficientes para compensar em 05 (cinco) anos a contar do trânsito em julgado ou da homologação da desistência da execução do título judicial. Sem falar que em muitas oportunidades não se tem conhecimento do valor do crédito em razão da necessidade de laudo específico com a mensuração e correlação de documentos.
O tema, por óbvio, foi levado ao judiciário em razão da flagrante ofensa aos direitos dos contribuintes e, ainda mais, por não ter qualquer base legal para tanto, apenas a Instrução Normativa que deveria ser norma regulamentadora e na verdade, no presente caso, inova mitigando o direito líquido e certo do contribuinte.
Nesse contexto, forçoso indicar o posicionamento da jurisprudência, inclusive do Superior Tribunal de Justiça. Em sua literalidade:
Tributário. Compensação. Prescrição. Cinco anos a contar do trânsito em julgado da decisão que reconheceu a existência dos créditos. Cabível somente para o início da compensação.
1. Os fundamentos do acórdão recorrido não foram infirmados nas razões do recurso especial, aplicando-se, desse modo, a inteligência do verbete sumular 283/STF, a impedir o trânsito do apelo.
2. A jurisprudência do STJ assenta que o prazo para realizar a compensação de valores reconhecidos por meio de decisões judiciais transitadas em julgado, a teor do art. 165, III, c/c o art. 168, I, do CTN, é de cinco anos. Portanto, dispõe a contribuinte de cinco anos para iniciar a compensação, contados do trânsito em julgado da decisão judicial que reconheceu o direito ao crédito.
3. “É correto dizer que o prazo do art. 168, caput, do CTN é para pleitear a compensação, e não para realizá-la integralmente” (REsp 1.480.602/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/10/2014, DJe 31/10/2014). 2. gravo regimental improvido.
(AgRg no REsp n. 1.469.926/PR, relator Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado e 7/4/2015, DJe de 13/4/2015.) (g.n)
O entendimento é presente, também, em outros tribunais, dos quais se destacam o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, a saber:
A controvérsia que não merece maiores discussões, pois a jurisprudência nacional já reconheceu que o prazo para realizar a compensação de valores reconhecidos por meio de decisões judiciais transitadas em julgado, a teor do art. 165, III, c/c o art. 168, I, do CTN, é de cinco anos.
A determinação legal prevista no art. 168, caput, do CTN diz com o termo para pleitear a compensação, e não para encerrá-la. Não existe regra legal estipulando tempo máximo para a finalização da compensação, de forma que a limitação imposta pelo art. 106 da IN RFB 2.055/21 é ilegal.
Ora, o entendimento da jurisprudência é claro acerca da aplicabilidade dos termos indicados no Código Tributário Nacional (artigos 165 e 168), sendo que qualquer medida administrativa (por exemplo o artigo 106, da Instrução Normativa nº2.055/2021) é ilegal e deve ser refutada pelos contribuintes.
Pelo todo mencionado, conclui-se que o prazo indicado pela Receita Federal do Brasil é ilegal, sendo certo que pode acarretar também em problemas sistêmicos no envio das declarações de compensações, logo, os contribuintes devem estar cientes do posicionamento jurisprudencial favorável e devem adotar as medidas necessárias para que possam utilizar dos créditos oriundos de decisão judicial sem qualquer mitigação ilegal e desproporcional.
* Sobre o autor: Diretor de Tax Planning na BMS Consultoria Tributária, advogado e professor. Mestrando em direito tributário na FGV Direito. Especialista em direito tributário e MBA/USP-Fipe em economia de empresas
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