A Lei Complementar 214/25, em seu artigo 2º, prevê que “o IBS e a CBS serão informados pelo princípio da neutralidade, segundo o qual esses tributos devem evitar distorcer as decisões de consumo e de organização da atividade econômica”, respeitadas algumas exceções.
Dentre os motivos que levaram à aprovação da Emenda Constitucional 132/23, um deles foi o de resolver o elevado número de discussões sobre a caracterização de determinada operação como “compra e venda de mercadoria” ou “prestação de serviços”.
As operações mistas, ou mesmo aquelas que poderiam ser enquadradas como intermediárias, continuam gerando intensos debates sobre dupla tributação (ou até dupla não tributação) sob o enfoque do ICMS e do ISS.
Mas, agora, estamos diante de relevantes mudanças na tributação sobre o consumo no Brasil: é o caso, por exemplo, da regra da legalidade, segundo a qual a exigência ou o aumento do tributo está condicionado à prévia existência de lei em sentido estrito, e do perfeito enquadramento do fato gerador da obrigação tributária à descrição hipotética contida na lei.
Sobre essa exigência de perfeita correspondência da hipótese legal com o fato, ao longo dos anos houve certa flexibilização e a jurisprudência chegou ao ponto de afirmar, em determinada situação (𝘁𝗲𝗺𝗮 𝟭𝟮𝟱 𝗱𝗲 𝗿𝗲𝗽𝗲𝗿𝗰𝘂𝘀𝘀𝗮̃𝗼 𝗴𝗲𝗿𝗮𝗹 – 𝗶𝗻𝗰𝗶𝗱𝗲̂𝗻𝗰𝗶𝗮 𝗱𝗼 𝗜𝗦𝗦 𝘀𝗼𝗯𝗿𝗲 𝗹𝗲𝗮𝘀𝗶𝗻𝗴 𝗳𝗶𝗻𝗮𝗻𝗰𝗲𝗶𝗿𝗼), que a operação deveria ser tributada de alguma forma (ICMS ou ISS), colocando-se de lado a anterior compreensão de que se deveria aferir se houve caracterização de circulação de mercadorias (ICMS) ou prestação de serviço (ISS).
A neutralidade refletida na LC 214/25 possui duas acepções ao nortear a tributação de “todas” as operações envolvendo bens materiais e imateriais: i) evitar que algumas operações não sejam tributadas pelo IBS, caso não haja enquadramento como circulação de mercadoria ou prestação de serviço; e, ii) ainda que indiretamente, uma conotação extrafiscal, com o fim de evitar que o tributo seja tido como elemento que possa afetar a concorrência e induzir comportamento dos consumidores.
A superação da garantia de legalidade mais estrita, que serve como proteção aos contribuintes, causa preocupação, pois abre uma porta que expande o poder de tributar dos entes federativos. Por outro lado, faz com que a tributação sobre o consumo passe a ter um conteúdo extrafiscal e seja vista como um elemento para evitar distorções na livre concorrência.
Os próximos anos serão de grande aprendizado e mudanças na forma como a tributação sobre o consumo se efetivará. Aceitar que limitações ao poder de tributar sejam flexibilizadas pode significar um caminho sem volta. Não temos respostas no momento, mas a efetiva aplicação das novas regras nos indicará o apetite e a responsabilidade das autoridades fiscais.
Autor:
Moises R. Coimbra
Contabilista e Advogado Tributarista
